Quando falamos em conhecimento de moda, João Braga é referência no Brasil. Especialista em História e Cultura de Moda, o professor e historiador possui um repertório invejável sobre o assunto, tanto que seus livros História da Moda – Uma Narrativa, Reflexões sobre Moda, Um Século de Moda e História da Moda no Brasil (este em parceria com Luis André do Prado) são super relevantes no cenário de moda brasileiro.
Tive oportunidade de ser sua aluna na pós-graduação e fiquei muito encantada. O João tem um repertório enorme, cheio de referências sobre assuntos variados. E o que torna suas aulas tão incríveis é sua forma de transmitir seus ensinamentos: ele não se mantém apenas ao passado, mas observa a moda também pelo cenário atual e através de sua multidisciplinaridade, mostrando como ela se conecta com diversas áreas da sociedade. Isso tudo de uma forma leve e divertida. No fim das contas, a gente sai de uma aula com João sabendo muito além da moda, a gente aprende um pouco mais sobre cinema, arte, arquitetura e até línguas estrangeiras.
Aproveitei minha última aula com o professor para bater um papo com ele, onde conversamos sobre esse esteriótipo da moda-fútil, o cenário atua da moda, identidade de moda brasileira e até previsões para o futuro. Vem aprender um pouco também!
[divider]MODA É FÚTIL?[/divider]
Em tempos em que muitos têm a visão da moda como algo fútil, ligado somente ao consumo exagerado e a ostentação, ter contato com alguém como João Braga é a prova concreta da grande importância da moda para a sociedade, afinal, como ele mesmo diz, a linguagem da moda nos permite entender o presente. Uma das primeiras perguntas que fiz foi justamente sobre isso. Segundo ele, “algumas pessoas podem encarar a moda como futilidade. Algumas podem fazer da moda uma futilidade. Mas moda, no sentido até mais amplo de ser indumentária antes de ser moda, serve para proteger o seu corpo. Serve para dizer sua profissão, seu status ou qualquer coisa que assim o valha. Ela também serve para cobrir no aspecto de pudor. Porém, numa sociedade capitalista que favorece o consumo exacerbado, ela muitas vezes acaba ganhando esse caráter por algumas pessoas. Mas não que necessariamente seja, porque moda gera empregos, moda gera valorização de autoestima, a moda sustenta inúmeras famílias, emprega muita gente no Brasil e no mundo. A moda, por ter uma penetração muito grande, também tem uma capacidade considerável de gerar um pensamento, de difundir uma determinada ideia. Então eu acho tem essa dupla leitura sem duvida alguma, mas moda, e os correlatos, tecido, calçado, acessórios, isso tudo é fundamental, e vai gerar essa divisa. O próprio processo da revolução industrial começou com a indústria têxtil. Então, tem o seu valor sobre a questão econômica também”.
[divider]OS BLOGS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO[/divider]
Outra questão que conversamos foi sobre a difusão dos blogs de moda e a democratização da informação. João fala sobre os desenvolvimentos tecnológicos e suas velocidades de transmissão de informação: “Se nós formos levar em consideração o processo histórico da mídia impressa, que vinha lá do exterior, demorava meses atravessando o oceano atlântico para chegar aqui. Depois veio o rádio e a televisão com a informação chegando mais rápido, isso tudo é um processo do desenvolvimento tecnológico de veiculação de informação. E hoje temos a internet que é em tempo real, e como todo mundo tem o seu aparelhinho na mão, a informação também passou a ser imediata. Então, democratizou muito. Qualquer um pode receber a informação como qualquer pode passar qualquer informação que seja. E com isso tem a democratização para o lado útil, para o lado banal… por se democrático pode abranger qualquer opção nesse leque de variedades”.
[divider]MODA BRASILEIRA[/divider]
Sobre o Brasil e sua identidade, João fala da diferença entre moda brasileira e moda no Brasil. Segundo o professor, “moda brasileira é uma moda que vem há aproximadamente uns 20 anos. Diferente de moda no Brasil, que é o que se usa de moda aqui. Agora se tem referências nativas, referências da nossa cultura, é outra história. Quem começou com isso foi Dom João quando chegou com a corte, trouxe informações e abriu os portos às nações amigas, e Collor de Mello que involuntariamente contribuiu pra moda no sentido de abrir o Brasil às importações. Consequentemente, chegaram os primeiros tecidos, depois as roupas já confeccionadas e isso detonou com a indústria têxtil e de confecção no Brasil. Porém, fez com que os brasileiros criadores de moda começassem a buscar um diferencial daquilo que vinha do exterior. Aí sim começamos a olhar para o próprio umbigo para gerar uma moda com identidade brasileira. Por isso moda brasileira seria uma coisa mais recente, a exceção de Zuzu Angel que já havia cantado essa bola nos anos 70, valorizando uma temática nacional.” Sobre a as características da moda brasileira ele cita “o uso da cor, tecidos de fibras naturais, uma certa sensualidade e uma maneira muito própria de juntar as coisas e criar uma nova identidade. É mais ou menos o fundamento da semana de 22. Você recebe diversas influencias e acaba criando alguma coisa nova. Este plural, este exotismo, essa identidade multifacetada e um certo barroquismo, pois brasileiro é exagerado e gosta de uma exuberância, essa mistura está criando essa identidade para que de fato o brasileiro se expresse“.
João também fala sobre o cenário atual do mercado de moda no Brasil. Ele avalia que “houve uma melhoria do estilo de vida e da qualidade de vida do brasileiro, mas nós sabemos também, que existem problemas sérios com essa questão de importação, que gera aí uma concorrência muito grande, com coisas baratas, muitas vezes de não tão boa qualidade. Mas eu vejo que falta um pouco no brasileiro uma formação cultural, com senso estético, que lhe dê informações melhores para que ele possa até discernir uma coisa de outra, e não qualquer coisa que seja aceita. É lógico que uma pessoa que tenha pouca grana vai consumir o que ela tem condição em determinado momento. Porém se o brasileiro tivesse um pouco mais de informação, no sentido estético, entre outras coisas, acho que ajudaria um pouco a dar um crivo melhor para esse consumo, saberia optar com melhor propriedade.“
Nós também conversamos sobre avisibilidade que algumas marcas brasileiras vêm conquistando lá fora. Ele acredita que a moda brasileira pode conseguir se firmar e ganhar destaque mundial, pois já temos marcas conquistando mercado lá fora. “A gente pega uma Farm, uma Osklen e outros nomes, são altamente expressivos, com identidade nacional de fato na contemporaneidade. O que eu acho que poderia ajudar bastante, embora já tenha um pouco, é o incentivo público, para que isso pudesse gerar mais divisas e ter uma identidade. O pessoal de confecção reclama muito de taxas, impostos. As vezes querem ter um material melhor, precisa importar, demora, é muito caro… Então acho que essa questão de política pública junto com a iniciativa privada seria o ideal para ajudar a consolidar nossa moda lá fora. Somos criativos e estamos a cada vez mais construindo essa postura de nacionalismo, mas isso é uma coisa que não vem da noite pro dia. Agora, moda é relativamente novo aqui, assim como a própria academia de moda brasileira, que faz 27 anos no Brasil com a Faculdade Santa Marcelina e Anhambi Morumbi, ambas de São Paulo, que são grandes locais de experimento. Obviamente, aquele criativo com formação acadêmica, conhecimento têxtil, conhecimento de desenho, vai ter muito mais chance dessa projeção, pois ele vai ter muito mais repertorio. Isso tudo é fundamental. Mas precisamos cada vez mais de incentivo, aprimoramento, know how e tudo mais. São uma série de valores sociais, culturais, históricos e econômicos que vão influenciar e ajudar a esse posicionamento. E isso tudo, desde que eu comecei a trabalhar com moda, está muito melhor.”
[divider]O FUTURO DA MODA[/divider]
No fim, quando perguntei ao João como ele imagina a moda do próximo século, ele disse que isso está associado a pesquisas antropológicas e sociológicas, mas que acredita que pode haver pelo menos duas correntes. “Uma corrente cada vez maior da altíssima performance têxtil, porque isso é uma realidade, os tecidos fazem e acontecem. Independente disso, a outra corrente seria da valorização do manual, do artesanal, da troca mais humana. Enquanto tem o lado tecnológico, tem o lado ecológico. Hoje e no futuro, eu creio que não vai haver uma única moda e sim diversas possibilidade, e você, no seu estilo de vida, na sua visão de mundo vai interpretar e se identificar com esse ou aquele.”
este Um bate papo com João Braga sobre moda, consumo e futuro é um conteúdo original Modices.